Sábado, 29 de Outubro de 2005
Se um dia não me encontrarem, estou aqui
A deslizar pelo fundo azul da piscina, com reflexos de luz demasiado rápidos para o olhar e sons espessos que nunca chegarão ao mundo de onde vim. Um dia vou ficar a viver na piscina, aconchegada de água por todos os lados, a sentir que estou dentro da minha pele como estou dentro da minha casa.
Sexta-feira, 28 de Outubro de 2005
Media Vaca: uma editora catita
Espreitem o site, que é do melhorio em termos de design e simplicidade. Há livros deles à venda na Almedina do Atrium Saldanha, em Lisboa.
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Quinta-feira, 27 de Outubro de 2005
Modo citação: É o teu mal: leste poemas a mais.
ELA DANÇA SOBRE PREGOS
Versos magoam, a folha angustia.
Dão guinadas no corpo, infernais.
É o teu mal: leste poemas a mais.
Melhor perderes-te em música obscena,
Melhor deitares-te a ouvir a cantilena
Do fogo consumindo uma pirotecnia,
Melhor rebolares-te em sei lá quê
Do que a dor e o decoro de quem vê
Ir-se a vida na Paixão da Poesia.
Gerrit Komrij, Contrabando, antologia publicada pela Assírio e Alvim, tradução de Fernando Venâncio
Domingo, 23 de Outubro de 2005
Cansada de tantas tentativas falhadas e tudo o mais em vão de escada, resolveu começar do princípio
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Sexta-feira, 21 de Outubro de 2005
Resistência à chuva
Quem anda pela cidade a deixar sacos com laranjas às portas das casas?
Quarta-feira, 19 de Outubro de 2005
Colecção Outono-Inverno
A gaja que há em mim andou à procura de tecidos japoneses e ficou de repente cheia de vontade de mudar todo o guarda-roupa. Isto passa, mas
há coisas destas que se
podem comprar por
aqui.
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Segunda-feira, 17 de Outubro de 2005
A maçã de Miyazaki
Há uma imagem de O Castelo Andante, de Miyazaki, que mostra toda a diferença destes filmes de animação em relação aos Disneys e amigos: Sophie espreita a rua pela janela. E a um canto do parapeito está pousada uma maçã vermelha, que não é usada para nada, não tem qualquer papel no filme. Apenas uma maçã muito vermelha, de várias tonalidades de vermelho, intensamente comestível, pousada a um canto do parapeito amarelo-terra. Uma dádiva.
Sexta-feira, 14 de Outubro de 2005
Modo citação: mais Giannis Ritsos
MEIO DIA
O sol aqui não brinca - furioso sol, omnipotente,
com suas sobrancelhas unidas, seu queixo quadrado,
com seu tronco peludo nu até ao mar.
Um mês, dois meses, muitos meses -
contámo-los carregando ao ombro a pedra e o medo,
dando estalos com o nó dos dedos no bojo do cântaro
para escutar o som da água
como escutamos por detrás da porta a voz da mulher
como escuta a mulher a voz até da mais pequenina estrela
como escuta a estrela o balido do entardecer.
O meio dia é sempre muito grande
como um Domingo no campo sem crianças
- de manhã à noite dura o meio dia.
Se tivéssemos menos sede não pensaríamos nisso,
se houvesse uma árvore numa encosta ou no cume da ilha,
se houvesse um punhado de sombra, menos amargor, menos injustiça.
Não recordamos a forma da árvore - será acaso
como uma grande bandeira de água?
será como um obrigado que alguma vez te disseram?
será como uma mão querida que encontra a tua mão?
Depois de amanhã plantaremos milhares de árvores.
(Antologia, ed. Fora do Texto, tradução de Custódio Magueijo)
Quinta-feira, 13 de Outubro de 2005
Modo citação: Giannis Ritsos
Tinha de ser num poeta grego que eu viria ler sobre este mar:
o mar brilhando ao longe, como azeiteDe Giannis Ritsos (1909-1990) - também aparece nas pesquisas como Yannis - aqui ficam alguns poemas tirados da antologia editada pela Fora do Texto, com selecção e tradução de Custódio Magueijo. Livro comprado na última noite da Ler Devagar.
Creio que é este o autor dos poemas das crianças mortas que o
venerável Changuito colocou no blog há tempos, mas pela pesquisa não encontro. Secalhar estou baralhada. Secalhar é isso.
O CORPO DO VENTO
Eu vi-o, em corpo inteiro diz
deu-me bofetadas na cara, deu-me socos
no peito e nas pernas; os seus joelhos
bateram nos meus joelhos; pisou-me
os dedos dos pés; - vi-o, digo-vos eu,
aqui, corpo a corpo, ambos de pé. Agora,
tenho na boca uma enorme solidão
e nove folhas carnudas à volta do pescoço.
TARDINHA
Regou as flores. Ouviu a água a pingar da varanda.
As tábuas ficam húmidas, envelhecem. Depois de amanhã,
quando a varanda cair, ela ficará suspensa no ar,
serena, formosa, segurando em suas mãos
os dois grandes vasos de gerânios e o seu sorriso.
RESTOS
Não tenho nada, nem sequer recordo nada - disse.
Uma época sobreposta a outra - cores desmaiadas,
um cheiro a fruta podre, o meio-dia
e a cal deslumbrante. Uma noite,
ao acenderes um fósforo, consegui ver
aquela mancha pequenina, escondida
sob a tua orelha. Apenas isso. O resto,
o vento o arrasta para debaixo das árvores,
juntamente com os guardanapos de papel e as folhas de videira.
CORRIDA DE CAVALOS
Cortaram lenha do bosque. Acenderam a pira. Sobre ela colocaram o morto.
Depois começaram as corridas de cavalos, para prestarem honras
ao digno lutador e à sua beleza. Depois da meia-noite,
os homens, extenuados das lutas, não puderam chorar.
Apenas o cavalo de Antíloco, todo negro,
todo reluzente à luz das chamas, apoiando-se
nas patas traseiras, saltou por sobre a fogueira e perdeu-se na noite.
Pelo acampamento ficou aquele cansaço maravilhoso, supremo,
como um esquecimento, como uma serenidade, - o último orgulho de um homem.
Quanto ao cavalo de Antíloco, ninguém mais o procurou.
NOITE ANTIGA
Cá em cima anoitecera cedo. Noite diáfana,
imensa como o dia; - o olival impreciso,
as ervas, por entre o mármore, queimadas pelo sol,
o teatro nu, pendurado na encosta. Por terra,
um enorme escudo, virado ao contrário. Se chover,
vai encher-se de água; virão aí beber os pardais,
o veado, o leão, o touro, Crisótemis,
os três cães do guarda-florestal e a lua.
Sexta-feira, 7 de Outubro de 2005
Fastio
A propósito
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A propósito <a href="”" http://estufa.blogspot.com/2005/10/paisagens-de-carne.html="http://estufa.blogspot.com/2005/10/paisagens-de-carne.html”" target="_new" rel="noopener">deste post</a> da Ana sobre as paisagens de carne, aqui ficam duas ideias de portfolios fotográficos que gostaria de ver:
- montras de restaurantes e talhos portugueses (instalações com carapaus dentro da boca de tamboris, kits de coelhos esfolados e encavalitados uns nos outros trespassados por um espeto, quartos de vitela pendurados, arranjos de orelhas de porco, etc.. tudo coisas que já vi, já todos vimos)
- mesas de banquete no final da refeição (fotografar os restos e a desordem depois da abundância todos os natais e demais festas de família penso nisto).