Quarta-feira, 30 de Março de 2005
Eis a flor do marmeleiro
O dono do marmeleiro cumprimenta-me. É da família.
- São bonitas, não são? Quando eu era miúdo, comia os botões.
Olho-o de esguelha.
- Os botões?
- Sim. Só quando estavam assim, ainda meio fechados.
Tiro um botão e mastigo. Ele faz o mesmo. Calamo-nos uns segundos.
- As coisas que comemos quando somos cachopos! - diz, abanando a cabeça.
Engole.
- É hortaliça...
Nota da provadora: os botões de marmeleiro têm um sabor subtil, que pode mesmo dizer-se agradável. Um travo ligeiro a especiarias frutadas. O mesmo não se pode dizer das pétalas de lírio, que são amargas.
Pergunta: será que há marmeleiros no Japão? Gostava de ver estas flores pintadas pelos mestres das estampas japonesas.
Terça-feira, 29 de Março de 2005
Vísceras
O medo é a última, indelével companhia do corpo. Medo da humidade negra dos bosques durante a noite, do peso excessivo e da respiração dos quadrúpedes, do silêncio estanque dos insectos que rastejam.
Quarta-feira, 23 de Março de 2005
Hokusai: Sazai Hall of the Five-Hundred-Rakan Temple
Nada na mão
A minha mão direita não sabe o que a esquerda faz.
A minha mão esquerda segreda-me, em sílabas como seixos, a forma do meu seio.
O meu seio direito adormeceu. Nada sabe da respiração mais breve e das sombras sobre a pele, mesmo ao lado.
Não sei bem do que conversam eles, mão e seio. Gostam um do outro. Deixá-los.
Nativa
Hoje penso na minha casa como sendo eu a minha casa com uma grande janela de sol e uma porta por onde me fazem cócegas as pessoas ao entrar. No jardim crescem ervas. É mesmo assim.
Terça-feira, 22 de Março de 2005
Mais o sol de cada dia
align=left hspace=5> Há uma conspiração universal que me faz nunca ter à mão, no trabalho, a música que me apetece de facto ouvir. A música onde tenho de enterrar as raízes.
Domingo, 20 de Março de 2005
50% de desconto nos livros de poesia da Assírio
Assim se comemora, nas livrarias da Assírio e Alvim, o Dia Mundial da Poesia. Livros
da Assírio
na Assírio, atenção.
E
já passou um ano desde um dos maiores momentos líricos de que há memória na blogosfera e arredores (inlcuindo serviços de louça do Pingo Doce).
Onde estiveste tu, Adão?
vspace=4>
Sexta-feira, 18 de Março de 2005
Inventário dos meus sonhos desta noite
Um pássaro que cantava interminavelmente, um grupo de amigos desavindos (era o fim), uma lua branca de halogéneo, um ramo de árvore com folhas escuras e carnudas de veios brilhantes, qualquer coisa que me abafava e não me deixava respirar e o som da minha aflição.
O pássaro, a esta hora, é um melro que faz uma festa do lado de fora da janela, onde a terra foi cavada. Eu tento respirar.
Da sabedoria
Às vezes, as minhas gatas não dizem nada.