Domingo, 29 de Fevereiro de 2004
Este post é um capricho
Apenas para pôr uma bandeirinha neste dia 29 de Fevereiro: Ana (Lisboa) esteve aqui! - 29/02/2004
Quinta-feira, 26 de Fevereiro de 2004
Os tradutores no jardim da Casa de Mateus
Os tradutores da Casa de Mateus fogem das salas geladas à hora de almoço para brincarem no jardim. O jardim, que tem magnólias, camélias e outras árvores intraduzíveis, desce até uma vinha encostada a um muro de pedra, onde os tradutores jogam às escondidas e à cabra-cega com os poetas que convidaram. Os poetas são obrigados a adivinhar terríveis charadas sobre o sentido último dos seus versos, sobre hipálages e aliterações, sobre os limites espaciais do verso livre e,
last but not least, a construir anagramas a partir do verso mais longo do seu mais longo poema, ordenando as palavras do fim para o princípio e mantendo a rima. Os tradutores da Casa de Mateus escondem-se depois dentro da sebe, a
magnífica sebe, fechada como um quarto-escuro, e gritam, como se fossem fantasmas a uivar do outro lado do mundo, para assustar os poetas, que tropeçam nos canteiros, de olhos ainda vendados (já houve poetas que começaram a chorar). Mas tudo acaba bem - o porteiro toca a campainha, e os tradutores da Casa de Mateus voltam às salas geladas, salas de paredes brancas e madeira quase negra; alguns levam flores roubadas no jardim, há marcas de bâton nos pescoços, e piscam o olho uns ao outros, sentam-se, pegam nas canetas e começam a riscar, a riscar, a riscar.
A ocupação das palavras
De certas palavras não resta hoje mais que a fachada. As pessoas, quase todas as pessoas (não só os sem-abrigo das palavras) ocupam-nas de sentidos que elas não tinham. Isto, que até pode ser social e historicamente aceitável, tem os seus riscos. Por exemplo, cínico. Em algum momento a palavra cínico passou a ser usada como sinónimo de hipócrita. Ouve-se nas conversas de autocarro, nos cafés, nos open-spaces da vida profissional de cada um: 'Não posso com ela, é uma cinica!' Bah! Perde a filosofia, ganha a moralidade; perde o pensamento, ganha a autoridade. Ou seja, perdemos todos. Devia haver um dicionário light para uso destas palavras abandonadas. Crédito à habitação para condomínios de palavras abandonadas, com traça original do século XVIII. Estilo antigo, mas muito bonito.
Coisas que valem mais que o tempo que duram à superfície de um blog
Modo citação: Juan Gelman
CHUVA
hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado vê a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor /
uma carta à mulher com quem vive
e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele
e se parece com a sua sombra /
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher /
entra em casa pela janela e não pela porta /
por uma porta entra-se em muitos sítios /
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo /
mas não no mundo /
nem numa mulher / nem na alma /
quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim /
como hoje / que chove muito /
e me custa escrever a palavra amor /
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa /
e só a alma sabe onde as duas se encontram /
e quando / e como /
mas que pode a alma explicar /
por isso o meu vizinho tem tempestades na boca /
palavras que naufragam /
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na
mesma noite em que ele amou /
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá /
como o silêncio que existe entre duas rosas /
ou como eu / que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que vê a chuva /
e à chuva /
ao meu coração desterrado /
(No avesso do mundo, Quetzal, trad. colectiva da Casa de Mateus, revista por Ana Luisa Amaral)
Amor é
Virem agora ter comigo e dizerem-me: Olhe, hoje não precisa de trabalhar. Desmarquei as reuniões e pode acabar tudo o resto amanhã. Tomei a liberdade de trazer-lhe os livros de poesia que comprou no Domingo passado, vá para uma esplanada à beira-mar, leia-os sem pressas. Deve estar um belo dia, lá fora - aproveite a tarde para dormir uma sesta, dê um passeio por Lisboa, coma um bolo de arroz e não faça nada. Não faça nada.
(Vou esperar mais cinco minutos, e depois deixo de acreditar no amor e só peço um Ferrero Rocher)
Modo citação: Juan Gelman
AS BELAS COMPANHIAS
é muito usual um abutre revolver-me as entranhas não as devorando antes amando-as ou como que dilacerando-as para trazer à luz os meus rostos últimos e olha para eles diz-me olha o que tu comes animal diz-me o belo abutre
(trad. colectiva Casa de Mateus, revista por Ana Luisa Amaral)
Quarta-feira, 25 de Fevereiro de 2004
Jesus Criiiiisto, olé, olé, olá!...
width=180 height=198 hspace=4>width=200 height=198 hspace=4>Cristo morreu, Féher também, e eu, depois de ver este site, sinto que vi a luz. O
Catholicshopper vende, entre outras preciosidades, estas estatuetas com o salvador em versão 'Jesus is our Friend'. Dizem-nos que são a prenda ideal para qualquer jovem atleta ou treinador cristão - e quem somos nós para plantar a semente da dúvida. Há muitos mais de onde este veio, portanto não percam.
Vai, Jesus! Boa placagem!
Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 2004
Boletim meteorológico
Do nosso enviado especial em Combray, Marcel Proust, Du côté de chez Swann:
Un petit coup au carreau, comme si quelque chose l'avait heurté, suivi d'une ample chute légère comme de grains de sable qu'on eût laissés tomber d'une fenêtre au-dessus, puis la chute s'étendant, se réglant, adoptant un rythme, devenant fluide, sonore, musicale, innombrable, universelle: c'était la pluie.
Domingo, 22 de Fevereiro de 2004
Brancusi - Mademoiselle