Sábado, 31 de Janeiro de 2004
Marta Dias - foto
A qualquer momento
Atenção
Ao dobrar uma esquina
Uma alegria
Caetano Veloso, início de Divino Maravilhoso
Quatro motivos para ver e ouvir Marta Dias
vspace=4 hspace=4 border=0 align=right>- quando canta, é ela quem está ao comando. E faz as coisas como quer - e bem.
- o belíssimo timbre e a plasticidade da voz, cobertos por um véu leve, ligeiramente áspero, apenas o suficiente para lhe dar mais naturalidade e para lhe permitir correr riscos
- o prazer com que canta. Prazer de quem canta com todo o corpo - e sabemo-lo mesmo sem a ver, e mesmo que esteja imóvel
- o magnífico cabelo
Na 6ª feira fui ver o concerto de Kyao e Chainho, acompanhados de Marta Dias e António Pinto. Um bom concerto, mas, mais do que o conjunto, as capacidades individuais de cada um a dar que pensar. E Marta Dias a dar muito, e bem, que ouvir. O
site da Marta, infelizmente, é um desatino... Abre em full screen (argh!), demora eternidades a carregar e tem uma navegação (toda em flash) de dar cabo dos nervos. Fico-me pela música.
Sexta-feira, 30 de Janeiro de 2004
Daqui para a frente
src=http://chipsquaw.free.fr/etreetavoir/galerie/images/classe_ext-2.jpg align=left vspace=4 hspace=4 border=0>Em Ser e Ter há, é certo, esse mundo da infância e das suas criações, alegrias e perdas de um instante, e a mão e a voz do professor que vai guiando toda essa constelação de pequenas pessoas que são já, cada uma por si, um mundo.
Mas mais do que isso, assombraram-me três momentos que fazem já parte de uma outra idade: a conversa com Olivier sobre a doença do pai; a conversa do professor com Nathalie, a propósito dos problema de comunicação e relacionamento desta; e o rosto do professor, no final, quando os alunos se vão embora. Qualquer deles é um momento de coisas que não se dizem (e o último é quase um requiem).
Fixei-me na conversa com Nathalie: esse momento terrível, revelador do que é a última fase da infância - o momento em que descobrimos, em que temos a certeza, de que estamos sozinhos. Meninas sozinhas perdidas no mundo e dentro de si, como dizia um título do Vinicius (embora provavelmente num sentido diferente, mas isso não importa). Nathalie não diz nada. Nathalie limita-se a chorar e a assentir ao que o professor vai dizendo. Compreensão nenhuma, carinho nenhum chegam a esse sítio onde Nathalie se refugiou do mundo, e algo me faz suspeitar, olhando para ela, para os seus gestos e o seu olhar, que ela não acredita que haja lugar para aquilo que ela possa dizer. Que dificilmente virá a saber manusear as ferramentas, ou fazer os passes de magia que lhe permitirão sair dali, e fico com a angústia terrível de que daqui para a frente será sempre assim.
Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2004
Duas palavras que se arredondam na mão
Duas palavras, duas, do melhor que já se fez. Duas palavras que podemos segurar na mão ou guardar na boca como anti-stress, para sentirmos o seu sabor devagarinho. As duas designam coisas mágicas, as duas têm a sonoridade perfeita, as duas flutuam quando colocadas num recipiente com água.
Uma italiana - arancia (laranja)
Uma finlandesa - kaksi (dois)
Dá vontade de pedir: kaksi aranci.
Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2004
Assim é que devia ser
Samba e Amor, Chico Buarque
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã
De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar
No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?
Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Espantoso
Dos 25 blogs do SAPO mais vistos hoje, três são sobre o Féher. Nenhum deles anterior à sua morte. Continuamos a precisar das tragédias dos "heróis" - as dos comuns mortais ainda não nos convencem.
Anita no Metro
Hoje o meu lindíssimo bilhete 10 viagens foi rejeitado por duas máquinas de controle à entrada do Metro. Duas. Dirigi-me ao funcionário do Metro mais próximo, explicando-lhe o que se passava. Ele pegou no meu bilhete, mirou-o atentamente e apercebeu-se de que tinha um vinco - pronto, confesso, uma dobra acentuada. 'Pois, claro que não passa...' - comentou - 'assim dobrado...' - e suspirou. E agora? 'Agora tem de ir ali trocá-lo'. Ali era a bilheteira de venda de passes. Ali tinha pelo menos 15 pessoas na bicha. Percebi que tinha de ser dura, e expliquei-lhe que não ia ali trocar o bilhete; se não, nem daí a meia hora estaria no trabalho. Ele resfolegou baixinho. 'Eu vou assinar-lhe isto, mas à saída vai ter o mesmo problema...' Rabiscou o meu bilhete e abriu-me a passagem.
Obstáculo número 1 ultrapassado.
À saída, dirigi-me à bilheteira, onde dois senhores conversavam. Bom dia, e que precisava de trocar o bilhete. O homem pegou-o, olhou-o, sentiu a dobra sob os dedos tensos e olhou-o outra vez, visivelmente perturbado - um olhar que cedo se transfomou em desânimo e revolta. Engoliu em seco. 'Eu sempre quero ver como é que vocês vão fazer quando os bilhetes forem de plástico!...'
Vocês, perceberam? Fiquei calada, expiando a minha falta de mansinho. Nestes momentos, ou não me ocorre nada para dizer, ou ocorrem-me coisas que não permitem manter uma relação proveitosa com as pessoas de quem dependo para sair daquele sítio. O senhor deu-me um bilhete impecável, com uma ligeira curva dorsal a que nem as máquinas mais exigentes serão capazes de dizer não.
Vocês. Reparem, eles já nos toparam. Não vale a pena tentarmos enganá-los, tentar forçar as máquinas a engolirem bilhetes maltratados. É que não vale a pena.
Terça-feira, 27 de Janeiro de 2004
Modo citação: Salvatore Quasimodo outra vez
19 de Janeiro de 1944
Leio-te doces versos do passado,
e as palavras nascidas entre as vinhas,
as tendas, às margens de rios de terras
do leste, como agora caem lúgubres
e desoladas nesta profundíssima
noite de guerra em que não se escuta
voar no céu nenhum anjo de morte,
e o vento imita estrondos de desabes
se as divisórias de metal sacode
nos terraços de cima, e melancólicos
sobem dos cães que latem nos quintais
os protestos aos tiros das patrulhas
pelas ruas desertas. Alguém vive.
Alguém talvez viva. Mas nós, cerrados,
à escuta de uma antiga voz,
buscamos algo que ultrapasse a vida,
o escuro sortilégio da terra
onde mesmo entre as tumbas de escombros
a erva daninha ergue a sua flor.
de Dia Após Dia, tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
5 formas de se enganar ao cantar o hino nacional
Qualquer uma delas funciona na perfeição desde que se esteja minimamente concentrado.
- Esquecer-se logo da primeira palavra (atenção, tem um grande efeito dramático, mas o clímax acaba por estar logo no início)
- Cantar usando a linguagem dos pês (exige muita destreza)
- Traduzir a letra para castelhano (não aplicável em países de língua espanhola)
- dizer igréjios em vez de egrégios e e mortal em vez de imortal (quase indetectável)
- ensaiar a versão 'O hino nacional contado às criancinhas' (moralmente aceitável)